Alfredo Maia intervindo na sessão solene de hoje
O deputado municipal Alfredo Maia defendeu hoje a "urgência de de combater a reescrita da História e o branqueamento da ignomínia" e alertou contra as armas de que o ascenso do fascismo está a servir-se, incluindo a "desinformação e a manipulação, a instrumentalização das frustrações e o acirramento de pobres contra pobres".
Intervindo na sessão extraordinária da Assembleia Municipal, dedicada à celebração do 47.º aniversário do 25 de Abril, o eleito comunista, recordando que se comemora também o centenário do PCP, salientou o papel dos comunistas na luta contra o fascismo e na criação de condições para que o 25 de Abril se tornasse possível.
Destacando ainda a circunstância de se comemorar também o 45.º aniversário da Constituição da República Portuguesa, Alfredo Maia enfatizou a conquista do Poder Local Democrático e desafiou os partidos a concretizarem a Regionalização consagrada na Lei Fundamental.
Intervenção de Alfredo Maia
Eis-nos aqui, de novo chamados à celebração dessa madrugada redentora de há 47 anos, o momento inaugural da extraordinária Revolução cujos momentos exaltantes a memória dos que os viveram evoca com redobrada alegria, transcorrido já quase meio século, e cujas conquistas as gerações dos que se lhes seguiram reclamam como aquisições imprescritíveis.
Ao
saudarmos essa madrugada que Sophia de Mello Breyner Andresen “esperava” – “O
dia inicial inteiro e limpo // Onde emergimos da noite e do silêncio”, no belo dizer
da poeta – transborda dos nossos corações um sentimento de profunda gratidão para
com os jovens oficiais, sargentos e praças que, nesse dia 25 de Abril de 1974,
pegaram em armas e romperam a longa noite do fascismo, franqueando as portas
luminosas da liberdade sem o derramamento de sangue que tamanha ousadia
arriscava.
Embora
tenha na sua génese um movimento de natureza meramente corporativa, o Movimento
dos Capitães que veio a transformar-se no Movimento das Forças Armadas evoluiu
inevitavelmente para uma dinâmica libertadora e emancipadora, uma vez tomada a
consciência de que a guerra colonial, em que estavam empenhados em permanência quase
300 mil homens em armas, não era apenas insustentável – era profundamente
injusta –, e uma vez conscientes os jovens oficiais de que na raiz dessa guerra
ilegítima estava a própria iniquidade do regime fascista.
Sim,
chamemos-lhe fascista, pois outro nome se não pode dar a um regime que durante
quase meio século perseguiu, prendeu, torturou e assassinou, metódica e
barbaramente, quantos ousaram pensar diferente, quantos aspiraram à liberdade,
quantos resistiram e quantos se ergueram contra a tirania; um regime que
aprisionou até o pensamento, que asfixiou a criação literária e amordaçou a
expressão das ideias; que humilhou e tentou subjugar intelectuais, impedindo-os
de ensinar nas escolas e nas universidades; que reprimiu brutalmente os
trabalhadores que se ergueram por melhores salários, jornadas de trabalho menos
penosas e melhores condições de vida; que amordaçou e neutralizou cívica e
fisicamente muitos dos que denunciaram o atraso social, económico e cultural
que durante décadas sufocou a sua pátria; que espiou, prendeu, seviciou e matou
os que se levantaram clamando por justiça e se baterem para pôr-lhe termo.
É bom que recuperemos
a memória desses factos, que não a deixemos desfalecer nem permitamos que
queiram soterrá-los sob a avalancha de novas teorias; é urgente combater quem
procura reescrever a História e branquear a ignomínia; é vital barrar a
passagem à mentira e à efabulação; é decisivo travar o ascenso do fascismo e
denunciar as novas armas ao seu serviço – a desinformação e a manipulação, as
tentativas de descredibilização da Ciência, a instrumentalização das frustrações,
o acirramento de pobres contra pobres, a falsa moral dos dissimulados e dos
impolutos de engano.
Quis a
sorte que a celebração deste ano da Revolução do 25 de Abril coincidisse com o
momento em que se comemora o centenário do Partido Comunista Português, uma
efeméride de que se orgulham os militantes comunistas e os amigos do PCP, mas
que também honra os portugueses e o Portugal livre e democrático que somos.
Na
realidade, não é possível dissociar o êxito do 25 de Abril, as conquistas da
Revolução e os avanços democráticos da heróica história do PCP – o único
partido que não se dissolveu e o único partido que sobreviveu a duras condições
de clandestinidade e à brutalidade das perseguições durante o 48 anos de
fascismo – nem tão-pouco da luta, dos sacrifícios e da resistência de tantos e
tantos comunistas.
Foi essa
luta e foi essa resistência, essa tenacidade e coragem, quantas vezes com
sacrifício da liberdade, da integridade física e da própria vida, quantas vezes
com a renúncia a uma vida própria e à própria família, que tornaram possível o
PCP reerguer-se várias vezes e afirmar-se como poderosa força organizada,
influenciar e dirigir o movimento operário, conduzir acções de massas e
organizar greves e intervir em plataformas unitárias antifascistas com outras
forças e democratas.
Foi essa
riquíssima experiência, essa disponibilidade e empenho, que contribuíram
decisivamente para que fosse possível aprovar quase por unanimidade (Só o CDS
votou contra) a Constituição da República Portuguesa, cujo 45.º aniversário se
assinala também com justificado regozijo, justamente porque a Lei Fundamental
que enterrou a farsa da Constituição fascista de 1933 foi um produto essencial
do 25 de Abril.
Elaborada
num contexto dramático de convulsão e perseguições e assassínios, com centenas
de atentados bombistas contra sedes do PCP e de outros partidos de esquerda, da
Intersindical e de outras organizações democráticas, a Constituição aprovada em
2 de Abril de 1976 foi a Lei Fundamental mais avançada na cena internacional,
honrando o compromisso que lhes pedira o então Presidente da República, general
Costa Gomes, na sessão inaugural da Assembleia Constituinte, em 2 de Junho de
1975:
“É tarefa para génios gizar uma Constituição revolucionária, tão avançada
que não seja ultrapassada, tão adequada que não seja flanqueada, tão inspirada
que seja redentora, tão justa que seja digna dos trabalhadores de Portugal.
“Senhores Deputados: Em nome dos mais humildes, das classes mais
desfavorecidas, que desejam, na luta do trabalho diário, o avanço da nossa
revolução, vos peço que minimizeis os vossos interesses partidários,
subordinando-os à consciência afinada pelos interesses maiores da Pátria e do
povo de Portugal”.
Compreende-se bem a saudação que, na noite de 2 de Abril, ao cabo
de dez meses de aturado empenho dos deputados constituintes, ao longo de 132
sessões plenárias e 327 de sessões de 13 comissões especiais, o general Costa
Gomes fez, nos derradeiros minutos de existência da Assembleia Constituinte, ao
promulgar a moderna Lei Fundamental.
Disse então:
“Tem
de ser uma Constituição viva, tão viva como o povo que se destina a servir,
cujos valores culturais e materiais, superando mesmo arranjos políticos de
momento e outros factores conjunturais, tracem no mapa político o rumo certo e
real da comunidade."
E, quase a terminar a histórica alocução, acrescentou:
“A Constituição política que temos perante nós será a lei fundamental do
povo português, pela qual teremos de pautar a nossa conduta.
“Respeitá-la, observando as regras da democracia, em toda a sua
autenticidade e pureza, deve ser honroso acto voluntário de todos os
portugueses e dever indeclinável dos responsáveis pela vida nacional,
designadamente os partidos políticos.”
Quarenta e cinco anos depois, é
forçoso reconhecer quão importante continua a ser nas nossas vidas a
Constituição da República, não obstante os tratos de polé que tem sofrido. E,
sobretudo, é importante salientar – hoje mesmo, aqui mesmo, neste salão nobre
destes Paços do Concelho da Maia – que foi a Constituição de Abril que
consagrou o Poder Local Democrático.
É por ele e em nome dele que aqui
nos reunimos, nesta Assembleia Municipal em sessão extraordinária, honrando o
mandato que nos foi atribuído pelo povo, em eleições democráticas e livres,
contribuindo, cada um a seu modo e cada qual com as suas limitações, para a
contínua e progressiva concretização do primordial dos três desígnios, ou dos
três DDD de Abril – Democratizar, Descolonizar, Desenvolver.
Falta, porém, muito caminho para
que a democratização e o desenvolvimento sejam realidades mais tangíveis no
quotidiano das gentes que jurámos servir. E, todavia, bastará um passo, um
passo certo e decisivo, para que os dois objectivos se realizem de forma mais
completa.
Esse passo chama-se
Regionalização, igualmente consagrado na Constituição da República e condição
indispensável ao progresso e ao desenvolvimento do país e das regiões. Mas já
tarda demasiado e urge dar-lhe conteúdo concreto e consequente.
Não basta os senhores presidentes
de Câmara Municipal mostrarem-se muito indignados com a injusta distribuição de
fundos, ou com a entorse centralista na gestão de importantes recursos
financeiros.
Tão-pouco nos comove o facto de os
senhores presidentes de câmara se apresentarem unidos e unânimes no Conselho
Regional do Norte a reclamar metade dos mais de 16 mil milhões de euros da
famigerada “bazuca” e quase rasgarem as vestes na reivindicação pela gestão
“desconcentrada” de projectos e verbas.
O que se lhes exige é que sejam
coerentes e consequentes.
Neste ano de eleições para os
órgãos das autarquias locais, seria bom que todos os partidos que aqui
representamos assumissem o compromisso definitivo e firme, sem tibiezas nem
hesitações, de cumprir Abril também com a Regionalização.