segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

CDU defende que recolha de resíduos é serviço público e não um negócio

Novo sistema tarifário pretende penalizar quem não separada devidamente os resíduos

O Grupo Municipal da CDU defendeu, na sessão desta segunda-feira da Assembleia Municipal, que a recolha de resíduos urbanos é um serviço público prestado às populações que não pode ser encarado como um negócio, pelo que a revisão das tarifas a cobrar aos munícipes deve ser justa.



Numa interpelação ao Presidente da Câmara sobre a informação de que vai ser testado um sistema no qual cada família pagará conforme os resíduos que produz, o deputado Alfredo Maia salientou que o chamado princípio do "Poluidor-pagador" é uma tentativa de mascarar de "verde" o capitalismo.


Intervenção de Alfredo Maia

A CDU tomou nota da informação do Senhor Presidente da Câmara a esta Assembleia, designadamente no que se refere à gestão de resíduos, em relação à qual gostaríamos de questionar V. Exa. sobre o estado da arte da gestão de novos fluxos de resíduos urbanos na Maia.

Há muitos anos que a LIPOR e o Município da Maia, entre outros concelhos no país, como aliás a Agência Portuguesa do Ambiente, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, variadíssimas universidades, gabinetes de consultadoria, etc., estudam a substituição do tarifário dos resíduos sólidos urbanos geralmente indexado ao consumo de água por um sistema no qual as tarifas passam a ser indexadas exclusivamente ao serviço de gestão.

Trata-se, em síntese, de fazer pagar os resíduos, não proporcionalmente ao volume da água consumido (que pode não ser o mais justo nem o mais solidário), mas em função dos resíduos indiferenciados que cada agregado familiar produz – por isso se convencionou internacionalmente como sistema PAYT, o acrónimo em inglês de pay as you throw.

Embora esteja anunciado há muitos anos (note-se: foi objeto de pelo menos duas dissertações de mestrado pré-Bolonha, em 2009), dá-nos o Senhor Presidente da Câmara conta de que é desta vez que vai avançar o sistema PAYT, ainda na fase de projecto-piloto, nas freguesias de Moreira e de Vila Nova da Telha.

O sistema já está previsto, de resto, no projecto de Regulamento de Serviço de Gestão de Resíduos e Limpeza Urbana do Município da Maia, que esteve em discussão pública até ao passado dia 5 de novembro e que esperamos venha a apreciação atempada e participada a esta Assembleia.

São bem conhecidas as dificuldades e obstáculos que o sistema comporta – desde as condições que permitam a identificação precisa do produtor dos resíduos (1.º pilar do sistema), o que é particularmente difícil (ou oneroso) quando se trata de edifícios de habitação colectiva, onde a compartimentação individual é fisicamente problemática, ao risco de deposição ilegal e migração (sob várias formas…) de resíduos para furtar-se ao pagamento das taxas, passando pelo tipo de medição da produção (2.º pilar), isto é, se é por pesagem, por saco ou outro…

No essencial, o que o PAYT visa é a indexação do valor a pagar pela recolha e encaminhamento de resíduos indiferenciados com deduções com base nos índices de recolha e preparação de resíduos recicláveis (3.º pilar, tarifa variável).

Dito por outras palavras, tratar-se-ia, segundo o enunciado dos princípios largamente enunciados na literatura da especialidade, de premiar quem mais separa para encaminhar para reciclagem e penalizar quem mais resíduos indiferenciados entrega para eliminar – no caso da Maia e restantes municípios associados na LIPOR, para incinerar – aplicando-se o princípio, tão caro ao capitalismo mascarado de verde, do “poluidor-pagador”.

A questão reconduz-nos ao problema de fundo e suscita o problema de oportunidade.

O problema de fundo reside no facto de a recolha de resíduos urbanos ser – ou dever ser, na sua essência – um serviço público às populações, o que implica equidade e justiça, tornando discutível a penalização individual, e deve recolocar em discussão se devem ou não ser os municípios a assumir o diferencial entre os proveitos e os custos das operações, quando exista, na medida em que a recolha e entrega de materiais recicláveis constitui, senão uma receita directa, pelo menos um balanceamento positivo nos custos.

Seria aliás muito interessante – e desde já desafiamos o senhor Presidente da Câmara – que um dia destes discutíssemos aqui os resultados líquidos das operações com as diferentes fracções…

Caracterização dos resíduos produzidos em Portugal em 2017 (Extraído de estudo da APA)

O problema da oportunidade tem directamente a ver com o facto de, a partir de 2023, isto é, dentro de três anos, ou seja, num horizonte temporal porventura mais curto do que o do projecto-piloto do PAYT em Moreira e Vila Nova da Telha, Portugal estar obrigado a cumprir as metas da separação e reciclagem dos bio-resíduos, que são o grosso dos indiferenciados e correspondem a quase 37% da média dos RSU produzidos em Portugal.

Trata-se de uma fracção que corresponderá, a curto prazo ou o mais tardar a médio prazo, a um novo fluxo distinto (ou mesmo fileira) na gestão de RSU, com vista à valorização (sob várias formas), como indicia de forma muito clara um recente estudo da Agência Portuguesa do Ambiente[1], que conclui que 136 concelhos do país, incluindo a Maia, abrangendo 7,5 milhões de habitantes e cerca de 625 mil toneladas de bio-resíduos apresentam viabilidade económica para a recolha diferenciada.

Trata-se, por conseguinte, de uma potencial fonte de receita, ou pelo menos de um factor de redução significativa de custos com elevada probabilidade de reverter a favor dos munícipes, na medida em que, mesmo que não gere proveitos diretos para o Município, há-de traduzir-se numa oportunidade e numa condição acrescidas para a redução expressiva dos encargos com a gestão dos resíduos urbanos.

Aliás, Senhor Presidente, não se compreende o tom e o conteúdo tão comedidos e tão desprovidos de ambição da informação de V. Exa. a esta Assembleia, ao dar-nos conta de que, citamos, “na freguesia de Águas Santas iniciámos no ano de 2018 a recolha, também porta-a-porta, de resíduos orgânicos de sobras alimentares”.

O que gostaríamos de aqui ouvir de V. Exa. é que a Maia tem já em marcha a criação de condições para cumprir a meta a que Portugal está obrigado e para, com a recolha selectiva e encaminhamento para valorização dos bio-resíduos, reduzir ou neutralizar o “défice tarifário” da gestão dos resíduos urbanos.    

Indo ao ponto e pedindo licença para recorrer ao que provavelmente não será absurdo: com a evolução que se impõe, será um dia (próximo) mais provável que os munícipes tenham mais a receber do que a pagar pelos resíduos que entregam, ou pelo menos que os municípios tenham condições para alinhar os proveitos com os custos da sua gestão.

A ser assim – e esperamos que o seja –, estará definitiva e justamente posto em crise, até do ponto de vista capitalista, o conceito de “Poluidor-pagador”. A menos – e é isso que gostaríamos que aqui ficasse claro – que se entenda a recolha de resíduos, não como um serviço público às populações, mas como um negócio.

Ou seja e para concluir, sintetizando: o sistema PAYT que V. Exa. volta a anunciar encaminha-se a passos muito rápidos para a sua completa inutilidade e injustiça. 
  
Disse.