Em causa estava um aditamento ao Contrato Interadministrativo de Delegação de Competências Relacionadas com o Sistema de Mobilidade e Serviço Público de Transporte de Passageiros na AMP (AMP).
Intervenção de Alfredo Maia
No texto da proposta da Câmara Municipal e no considerando G) do Aditamento proposto ao sufrágio da Assembleia Municipal, é invocado um “estudo de fundamentação das opções jurídicas, económicas e financeiras do concurso público” para propugnar que a exploração do serviço público “deve ser assegurada em modelo de prestação de serviço público por operadores privados seleccionados através de procedimento pré-contratual de concurso público internacional”.
No entanto, não são explicitadas as razões pelas quais foi feita essa opção, quando o Regulamento (CE) n.º 1370/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2007, estabelece com clareza, logo na al. d) do Art.º 2.º (Definições), que operador de serviço público é “qualquer empresa pública ou privada ou agrupamento de empresas públicas ou privadas que prestem serviços públicos de transporte de passageiros ou qualquer organismo público que preste serviços públicos de transporte de passageiros”.
Ora, independentemente do maior ou menor grau de adesão, no seio da AMP, incluindo nos órgãos do Município da Maia, às diferentes correntes de opinião e às distintas preferências quanto à natureza da propriedade das empresas, não poderia a proposta deixar de clarificar as razões da opção de restringir as possibilidades de escolha, por um elementar princípio de transparência, mas sobretudo de fundamentação do que pode configurar uma ilegalidade.
De facto, dispõe o n.º 3 do Art.º 5.º do Regulamento que “qualquer autoridade competente que recorra a um terceiro que não seja um operador interno deve adjudicar os contratos de serviço público com base num concurso”, que “deve ser aberto a todos os operadores, ser imparcial e respeitar os princípios de transparência e não discriminação”.
Por seu lado, o Art.º 18.º do RJSPTP remete, quanto aos procedimentos, para o Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, na redacção actualizada, o qual estabelece (Cfr. Art.º 1.º-A) que “na formação e na execução dos contratos públicos devem ser respeitados os princípios (…) da concorrência, da publicidade e da transparência, da igualdade de tratamento e da não discriminação”.
Tão-pouco é explicado por que razões prescindiu a AMP de lançar mão do operador interno natural no seu território – a STCP, Sociedade de Transportes Colectivos do Porto, com ou sem subcontratação de parte do respectivo serviço –, uma figura igualmente prevista no Regulamento (Cfr. Art.º 5.º) e no RJSPTP (Cfr. al. k) do Art.º 3.º e n.º 2 do Art.º 8.º), dispensando a submissão a concurso.
Acresce que o Memorando de Entendimento sobre a Intermunicipalização da STCP outorgado em 28 de Agosto p.p., entre o Estado Português, a AM, a empresa e os seis municípios por ela servidos afirma, pelo menos para o conjunto destes, que a mesma sociedade “continuará a qualificar-se como operador interno” (Cfr. considerando H) do documento), desígnio este reafirmado pelo Decreto-Lei n.º 151/2019, de 11 de Outubro, que opera a referida intermunicipalização.
É nesse sentido que o Art.º 4.º do Memorando, sob a epígrafe “Aditamento ao Contrato de Serviço Público e Compensações por Obrigações de Serviço Público” estabelece a obrigação de pagamento, pelos municípios, do montante global de mais de 30,5 milhões de euros (5,6 M€ pela Maia), “destinado a financiar os investimentos da STCP enquanto seu operador interno”.
É também nesse desiderato que, como dispõe o n. 1 do Art.º 8.º do DL n.º 151/2019, “os municípios acionistas assumem a responsabilidade pelo financiamento das obrigações de serviço público impostas à STCP enquanto seu operador interno”.
De resto, a discussão sobre o sistema de mobilidade e serviço público de transporte de passageiros não poderia deixar de ser feita concomitantemente com o da alteração do modelo institucional da STCP, numa abordagem realmente holística, integrando a análise rigorosa das necessidades das populações, da existência de sobreposições (incluindo redundâncias de linhas) e lacunas.
Ora, tanto quanto sabemos, não houve na Maia qualquer avaliação séria dessas necessidades nem das sobreposições de linhas, limitando-se a proposta para o concurso a manter a oferta existente, tal como aconteceu em relação à rede da STCP a partilhar.
Por outro lado, impõe-se a ponderação integrada dos papéis e vocações do operador público e dos operadores privados no sistema, para que a AMP e os municípios – incluindo os respectivos órgãos deliberativos – pudessem tomar atempadamente decisões informadas e acertadas no sentido da prestação de um serviço universal, de qualidade e eficiente.
Chama-se a atenção para o facto, na decorrência do processo aqui em discussão e da intermunicipalização da STCP, os municípios passarem a exercer poderes em relação a sistemas que se sobrepõem e que por vezes geram conflitos, o que poderia evitar-se através de uma configuração eficiente desses poderes.
Nesse sentido, teria sido útil que a AMP e os municípios acordassem previamente o efectivo papel da STCP como operador interno pelo menos do “Grande Porto”, gerindo todo o sistema integrado de transporte rodoviário de passageiros, independentemente da contratualização dos serviços de operadores privados.
A proposta de Contrato introduz uma divisão do serviço público de transporte de passageiros em cinco lotes (Cl.ª 3), sendo a Maia integrada em três deles (Cl.ª 9), mas não é acompanhada de uma caracterização da oferta a contratualizar, designadamente em termos de linhas, horários, população a servir e articulação com a STCP e intermodal.
Tal explicitação é essencial à ponderação dos custos a recair nomeadamente sobre o Município da Maia (Cl.ªs 12, 13 e 14), e especialmente à fundamentação dos valores previsionais (Cl.ª 14), constantes do Anexo I, na medida em que, embora se admita que não deva ser o clausulado a proporcioná-los, é imperioso carrear pelo menos para a discussão, quanto mais não seja em documentos de suporte anexos, elementos que permitam aquilatar a matéria de forma suficientemente informada.
Trata-se, de resto, de uma informação indispensável, desde logo à imperativa tomada de decisão pela Assembleia Municipal em sede de revisão aos Planos de Actividades Mais Relevantes previstos nas Grandes Opções do Plano para 2019 e para 2020, como decorre do n.º 3 da Cl.ª 22 do Contrato em apreço, e como consta das proposta já aprovadas na Câmara Municipal (reunião extraordinária de 9 do corrente), no sentido da dotação de uma dotação de 451.011 euros em cada um dos anos 2020 a 2024, inclusive.
Trata-se, em síntese, de tornar perceptíveis e claras, para quem tem a incumbência de deliberar, a quantificação do serviço público a garantir às populações e as correspondentes responsabilidades financeiras.
Disse.