sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Estado não deve sair da STCP

Maia é dos concelhos mais mal servidos pela STCP

A CDU considera que a entrega da STCP às autarquias, com a completa desresponsabilização do Estado, numa decisão precipitada e sem o devido debate democrático, é um erro com consequências graves para a qualidade do serviço de transportes às populações.


Intervindo na sessão desta sexta-feira da Assembleia Municipal, na qual a CDU votou contra o Contrato interadministrativo de delegação e competências de autoridade de transportes relativas ao serviço público de transporte explorado pela STCP e aditamento ao contrato de concessão de serviço público, o deputado Alfredo Maia declarou que se trata de "uma armadilha para o poder local montada pelo Governo" que quis desligar-se" da empresa, "desorçamentando encargos que sabe serem pesados". 


Intervenção de Alfredo Maia

A decisão que esta Assembleia se prepara para tomar é das mais sérias jamais tomadas, pelas consequências e com custos pesados para o Município e para os municípios vizinhos que se vislumbram, e especialmente na vida das populações, que se arriscam a não ver efectivamente melhorado o serviço de transportes públicos a que têm direito e que, mais cedo do que tarde, verão degradado o que lhes é servido.

O que vai acontecer é fruto de uma armadilha para o poder local montada pelo Governo, na qual caíram, de forma irresponsável, os presidentes de Câmara da região do Grande Porto que, sem consultar previamente os órgãos deliberativos e sem escutar aqueles que, como na Maia, se preocuparam em pedir informações, reflectir sobre o processo em curso – aliás às ocultas nomeadamente da Assembleia Municipal – e porfiaram o mais que lhes foi possível em contribuir para que pudesse servir as populações.

A armadilha, como o PCP e a CDU há muito avisam, consiste em entregar às câmaras uma empresa cujos financiamento, equilíbrio, investimento e responsabilidades múltiplas exigem a responsabilização do Estado, mas da qual o Governo quis desligar-se, desorçamentando encargos que sabe serem pesados e transferindo-os para os orçamentos municipais, quando é claro que alguns deles não conseguirão satisfazer as suas obrigações financeiras e que outros, como é o caso da Maia, acabarão por canalizar para a STCP recursos que fazem falta noutras áreas.
(Acabamos de verificar, de resto, que isso já está a acontecer nas revisões aos Planos de Actividades Mais Relevantes e aos Orçamentos da Despesa, há momentos discutidos…)

De facto, numa operação de eleitoralismo evidente mas com custos pesados a prazo, o Governo, a AMP, a STCP e os presidentes das câmaras municipais, sem que tenha sido discutido e votado nos Executivos, e muito menos nas assembleias municipais, assinaram, em 28 de Agosto, um memorando de entendimento para a transmissão da propriedade da empresa para os municípios, bem como para a transferência de responsabilidades financeiras para as autarquias

O PCP e a CDU não rejeitam a entrada das  autarquias no capital da empresa, nem a assunção e partilha de responsabilidades, mas tornaram há muito claro que o Estado deve permanecer na STCP, pelo menos com a maioria do capital, assegurando o financiamento público e sendo um garante da coesão social e territorial, sob pena de os municípios não disporem de recursos suficientes para assegurar as operações e o investimento na renovação de frota, entre outras necessidades.

A previsão dos encargos – ou melhor, as previsões, que eram umas na assinatura do memorando de entendimento em agosto e são outras, mais gravosas agora – só à conta de obrigações de serviço público, nos anos de 2020 a 2024, ascendem a mais de 79,6 milhões de euros para os seis municípios abrangidos, cabendo à Maia mais de 7,6 milhões.

Note-se que estes encargos reportam-se apenas às linhas e horários da STCP em vigor, o que compromete quaisquer veleidades de reivindicação de novos percursos, melhores horários, redes mais próximas das populações, de que bem carecem especialmente as freguesias não centrais da Maia, um dos concelhos mais mal servidos.

As pesadas responsabilidades transferidas para os municípios far-se-ão sentir de forma ainda mais severa com a necessidade, já num imediato, de vultuosos investimentos que farão aumentar a incerteza, o risco degradação de viaturas e serviços e a ameaça da entrega, mais tarde ou mais cedo, a interesses privados.

Segundo um relatório elaborado, para a STCP, pelo Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada da Universidade Católica, entre 2020 e 2024, a empresa terá de assegurar um plano de investimentos de mais de 100 milhões de euros, mas o Estado só pagará pouco mais de metade, porque já eram compromissos assumidos, já que após 2024 nada mais pagará.

Nesse horizonte de cinco anos, será necessário pagar mais de 75,7 milhões de euros – aos quais acresce o IVA – para a aquisição de autocarros, cabendo às autarquias pagar mais de 36 milhões de euros, cabendo à maia mais de 3,5 milhões (excatamente 3.550.473 euros).
Ou seja, nos próximos cinco anos a Maia terá de desembolsar um total, ainda sem IVA, de 11.207.072 euros!


Senhor Presidente,

Estará V. Exa. em condições de garantir a esta Assembleia que o Município da Maia reúne recursos suficientes para satisfazer obrigações de tal monta  sem sacrificar outras áreas?
Sinceramente receamos que não esteja.

E preocupa-nos que neste conjunto de documentos não haja uma palavra sobre a possibilidade de financiamento estatal das operações da STCP, nem ao menos através de um contrato programa.


Senhor presidente,

Sendo manifesta a necessidade de melhorar e alargar na Maia a oferta da STCP, do que resultará a obrigação de aumentar as compensações financeiras devidas a título de serviço público, que garantias nos dá de conforto financeiro do Município para as satisfazer sem furtar recursos a outras áreas vitais?

Mais: que poderes efectivos terá V. Exa. e o Município para fazer valer os interesses e pontos de vista desta autarquia, quando a composição do capital da STCP e a correspondente distribuição de lugares na Administração asseguram uma hegemonia ao Porto (53,69%) e escasso peso específico à Maia (9,61%?

Segundo o memorando que V. Exa. outorgou, o Município do Porto tem o poder para nomear o presidente do Conselho de Administração e outros dois administradores – um executivo e um não executivo. Aos restantes cinco concelhos cabe nomear, em conjunto, um administrador executivo e outro não executivo.

Mais: o Porto terá também os poderes de nomear o Gestor do Contrato” da STCP e de ser o “representante comum” dos municípios junto da empresa, para o exercício dos poderes de Autoridade de Transportes.

Vistas as coisas, a Maia terá a sua intervenção circunscrita à Unidade Técnica de Coordenação, cujos trabalhos serão aliás coordenados pelo Porto…

Não é uma questão de somenos, e que muito provavelmente veremos evidenciada quando, mais tarde ou mais cedo, formos confrontados com a ameaça de a STCP circunscrever a sua actividade ao concelho do Porto – ainda que mantendo algumas ligações estratégicas – e desguarnecer linhas que, por esta ou aquela via, irão cair no regaço dos operadores privados ou deixarem pura e simplesmente de existir.
 
Na informação sumária que o Senhor Presidente trouxe à última sessão ordinária desta Assembleia, bem fez a declaração de fé num almejado acordo parassocial, a celebrar entre os municípios, que aclarasse – citamos – as:
“relações futuras entre os accionistas/municípios em temas estratégicos como a governança, investimento, financiamento e alteração de redes, entre outros, para cujas decisões não pode, nem deve, ser suficiente o mero exercício da expressão nominal do capital social detido, exigindo consensos alargados”.

Ora, o que aqui se decide não pode repousar na maior ou menor adesão aos desejos e às expectativas do presidente do Executivo. Do que se decidir depende o futuro de uma empresa – e da relação deste município com ela e da qualidade do serviço à população que cumpre garantir – que tem um papel central na estruturação da coesão e da solidariedade territorial, económica e social.

Em suma, Senhor Presidente, Senhores Deputados, ao ser cúmplice num processo errado e precipitado, ao furtar-se a um debate atempado e partilhado que informasse de forma consistente um pensamento estratégico sobre a problemática da mobilidade, ao cair mesmo numa inadmissível chantagem, com a ameaça mais ou menos velada de perda de transportes, a Maia perdeu uma oportunidade soberana de fazer valer os direitos das populações.

Resta-nos garantir que, pela parte do PCP e da CDU, não claudicamos nem desistimos. 

Disse


Antes da discussão e votação da proposta, a CDU colocou à Assembleia uma questão prévia, propondo o adiamento do ponto. Tendo sido rejeitada, o Grupo Municipal fez uma declaração de voto de vencido. 


Questão prévia à Mesa e à Assembleia

Antes de passarmos à discussão da proposta que nos é trazida, é necessário colocar uma questão prévia – a da legalidade da decisão que esta Assembleia se prepara para tomar.

Sem ter tomado quaisquer deliberações nesse sentido, através dos órgãos próprios – Câmara Municipal e Assembleia Municipal – o Município da Maia vê-se detentor de 5.814.801 acções da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto – STCP, SA, correspondentes a 9,61% do capital da referida sociedade, até ao próximo dia 31 detido exclusivamente pelo Estado português e, a partir de 1 de janeiro de 2020, na posse de seis municípios, com todos os efeitos e consequências.

Não tendo nomeadamente esta Assembleia, este órgão deliberativo, decidido aprovar a entrada do Município da Maia no capital da STCP ou sequer aceitar a “oferta” do Governo para que se torne accionista da mesma sociedade, cuja titularidade é transmitida para o seis municípios por um mero acto unilateral do Governo, a saber, o Decreto-Lei n.º 151/2019, de 11 de Outubro, parece evidente que quaisquer actos que consubstanciem a assunção de responsabilidades e encargos por parte deste Município estarão feridos de ilegalidade.

Com efeito, sem embargo de se discutir e votar a seguir o Contrato Interadministrativo de Delegação e Partilha de Competências de Autoridade de Transportes Relativas ao Serviço Público de Transporte Intermunicipal de Passageiros explorado pela STCP, é de toda a pertinência aferir se previamente teria a Assembleia de pronunciar-se sobre a “adesão” do Município à STCP, ou sobre a aceitação do capital da empresa que o Governo tenciona transmitir-lhe.

É que não basta a outorga do Memorando de Entendimento celebrado em 28 de Agosto p.p., entre os seis municípios servidos pela STCP, a AMP e o Governo, aliás invocada no DL 151/2019, para fundamentar a transmissão que agora se dá como consumada  

Assim, salvo melhor entendimento, esta proposta não deve ser votada, devendo ser adiada até à apresentação de pareceres técnicos sobre as questões levantadas.

Os eleitos da CDU – Coligação Democrática Unitária