segunda-feira, 2 de março de 2020

Estratégia Local de Habitação aquém das necessidades urgentes

Habitação degradada: mais de 700 famílias vive em barracas, construções precárias e conjuntos insalubres e inseguros

A CDU considerou, na sessão da Assembleia Municipal desta segunda-feira, que a proposta de Estratégia Local de Habitação do Município da Maia apresenta metas para a colocação de habitações públicas (ou sociais) muito inferiores às necessidades do concelho, onde há mais de 1930 pedidos, prometendo apenas 788 casas, quando as necessidades urgentes atingem pelo menos 893 famílias, num total de 2010 pessoas.


  
Intervindo em nome da CDU, a deputada Carla Ribeiro chamou também a atenção para o facto de o volume maior do investimento necessário à execução do programa 1.º Direito, criado pelo Governo, recair sobre as autarquias, quando deveria ser o Estado a assumi-lo. 


Intervenção de Carla Ribeiro
Nos termos da Lei, a Câmara Municipal apresenta a esta Assembleia a proposta de Estratégia Local de Habitação do Município da Maia, documento essencial para a candidatura da Autarquia ao 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 37/2018, de 4 de Junho, sem prejuízo do recurso a outros programas e instrumentos, como bem ressalva com, algum detalhe, o documento.
Trata-se de um documento da maior importância, sobretudo porque traz à Assembleia Municipal, pela primeira vez, uma análise da situação, apontando o registo de um total de 1930 pedidos de habitação pública (ou social…), em ordem a satisfazer necessidades gritantes da população.
No entanto, não contém elementos de prospectiva, isto é, não nos diz, por exemplo, quantos fogos serão necessários no horizonte dos próximos dez ou 15 anos, mesmo cinco, de modo que a estratégia permita projectar, dimensionar e orçamentar investimentos a prazo mais largo, uma vez que a que nos é apresentada o limita ao horizonte de 2025 – mas com bases nas necessidades identificadas no levantamento realizado em 2017…
É verdade, porém, que a resposta limitada ao curto prazo de cinco anos parte já de uma situação extraordinariamente dramática, confirmando os alertas da CDU para uma paisagem social que nada tem a ver com a propaganda de uma Maia idílica e que justifica plenamente um plano urgente de recurso ao programa 1.º Direito, que se destina à “promoção de soluções habitacionais para pessoas que vivem em condições habitacionais indignas e não dispõem de capacidade financeira para suportar o custo do acesso a uma habitação adequada”, conforme o define o Art.º 2.º do referido diploma.
Segundo o “Diagnóstico das Dificuldades de Acesso à Habitação” e de acordo com o levantamento feito em 2017, havia então 400 núcleos degradados, que albergam à época 841 agregados familiares que representavam 1870 pessoas, vivendo em barracas, construções precárias ou conjuntos degradados.
A esmagadora maioria (711 famílias e 1520 pessoas) vivia e vive em barracas, construções precárias e conjuntos insalubres e inseguros. Os outros 130 agregados e 350 pessoas em situações de precariedade ou sobrelotação. 
Quanta serão agora? Quantas serão daqui a cinco anos?
A essas carências devem somar-se casos de desajuste tipológico, problemas de inadequação dos fogos, designadamente graves problemas de acessibilidade (52 agregados e 140 pessoas), pelo que tínhamos, assim, um total de 893 agregados e 2010 pessoas.
No entanto, a Estratégia Local aqui em análise propõe-se responder com apenas 788 fogos – insistamos: 788 fogos para responder a necessidades identificadas há três anos; não às que tenham surgido ou venham a instalar-se entretanto. 
A situação é de emergência, mas a resposta efectiva que a Câmara propõe divide-se em três fases: Na primeira, entre 2020 e 2022, uns 140 fogos; na segunda, entre 2023 e 2025, o grosso do investimento, com 648 casas; na terceira, sem qualquer prazo inscrito na Estratégia, outras 105, que o Executivo espera venham a ser asseguradas pelo terceiro sector/sector cooperativo.
Poderia ser bem mais audaz, mas em boa verdade também teremos de reconhecer o esforço financeiro significativo que a operação envolve e, sobretudo, de denunciar a pesada carga que o Governo coloca sobre os Municípios com este programa, pois serão eles a pagar a parte de leão dos investimentos a realizar.
De facto, as comparticipações do programa 1.º Direito estão sujeitas a montantes máximos que mesmo em investimentos mais onerosos, embora mais duradouros, se ficam pelos 35% para construção, o que significa que os Municípios terão de arcar com os restantes 65%, e 30% para a aquisição de fogos e idêntica percentagem para aquisição e infra-estruração de terrenos, o que impõe aos Municípios a responsabilidade pelos 70% em falta.
Ora, tendo em conta os valores previstos no documento para cada uma das modalidades da primeira fase (pág. 104), e admitindo em tese que se manterão para a segunda, que não está orçamentada, isto significa que o Município terá de despender à sua conta, entre 2020 e 2025, mais de 38,6 milhões de euros.
Seria bom que, além de corrigir o subfinanciamento imposto pelo Governo às Autarquias, fossem revistos os montantes de participação do Estado em programas como este, aliás traduzida em apenas 136 milhões de euros para todo o país neste ano. Trata-se de uma tarefa que impõe o empenhamento do PS e do PSD numa luta que o PCP e a CDU bem têm travado.
Mas será também necessário rever as apostas da própria proposta de Estratégia Local de Habitação da Maia, sobretudo no que diz respeito às modalidades de arrendamento e de aquisição, as quais, sendo úteis em situações de emergência social e falta de fogos em bolsa no Município, revelam-se porém mais onerosas.
Tendo em conta os custos previstos para o arrendamento de 20 fogos por um período de apenas dez anos, num total de 536.100 euros, significa que o seu custo unitário médio será de 26.805 euros para o Município – insiste-se, por um decénio… Já a aquisição custa ao Município em média 64.510 euros por fogo, um valor superior aos 61.506 euros previstos na modalidade de construção.
No entendimento da CDU, o recurso ao arrendamento (que a estratégia prevê para um total de 170 habitações) deve ser circunscrito às situações de emergência como solução transitória enquanto o Município constrói de novo ou reabilita fogos, assim como deve ser desenvolvido um esforço para baixar os custos com a aquisição, alinhando-os o mais possível com os da construção.
Por outro lado, tendo em conta os encargos geralmente muito mais baixos com a reabilitação (que o documento estima em apenas dez mil euros (ou seja, seis mil para o Município), parece-nos evidente que a aposta na recuperação não só de fogos de habitação pública, mas também de edificado pertencente ao Município ou ao Estado com vista à sua adaptação às funções de habitação e outras, deveria ser muito maior.
Importa ainda salientar que, para além da resposta imediata às situações de carência identificadas, não pode o Estado, evidentemente que com o empenho do Município, deixar de conferir também urgência às situações de impossibilidade material de aquisição ou de aluguer de habitação num contexto de crescente especulação no mercado imobiliário.
O próprio documento que aqui discutimos nos expõe de forma inquietante a expressão estatística da falta de condições de acesso económica, ao salientar que 14% dos agregados fiscais na Maia apresentam um rendimento bruto inferior a cinco mil euros por ano; e que 42% declaram rendimentos inferiores a dez mil euros, ou seja, auferem rendimentos brutos mensais de cerca de 714 euros – quer dizer 357 euros cada se forem duas pessoas a trabalhar!
Outras realidades que é necessário enfrentar com coragem e determinação política é a dos despejos e a dos incumprimentos de empréstimos bancários à habitação, em relação aos quais a Estratégia propõe um “apoio institucional e jurídico” (pág. 43).
Bem ajudaria que, há bem poucos dias, PS, PSD, CDS, IL e Chega não tivessem votado designadamente contra o projecto do PCP sobre esta matéria.
Finalmente, senhor Presidente, bem sabemos que a Estratégia Local de Habitação não responde a todas as necessidades e que as respostas mais diversas se encontram noutros programas, assim como a Carta Municipal de Habitação que o Executivo está obrigado a elaborar, como impõe a Lei de Bases da Habitação, permitirá um enquadramento mais integrado.
Oxalá venha depressa, mas entregue com mais antecedência aos grupos municipais e destinada a discutir numa sessão que lhe dedique maior atenção, ou mesmo atenção exclusiva.
                
Disse