terça-feira, 29 de janeiro de 2019

CDU contra transferência de competências

CDU defende regionalização e não mera transferência de encargos para autarquias

Coerentes com as posições do PCP e da CDU sobre o embuste da transferência de competências do Estado para os municípios e para as entidades intermunicipais, os eleitos na Assembleia Municipal da Maia reafirmaram, na sessão extraordinária de hoje, a rejeição desse processo, voltando a apontar os riscos da transferência de encargos sem meios correspondentes e de desmantelamento das funções e serviços do Estado,  que nada tem a ver com uma verdadeira descentralização.

Veja a seguir as intervenções dos deputados municipais Alfredo Maia e Carla Ribeiro: 



Intervenção de Alfredo Maia sobre a proposta de transferência de competências para a Área Metropolitana do Porto



Há quatro meses e meio (sessão extraordinária de 14 de Setembro passado), esta Assembleia foi chamada a pronunciar-se sobre a proposta de não aceitação da transferência de competências do Estado para os municípios e para as entidades intermunicipais previstas na Lei n.º 50/2018, submetida a este órgão deliberativo pela Câmara Municipal.

No essencial, argumentava então o Executivo que o diploma não oferecia garantias suficientes de uma descentralização efectiva de competências; de que não se limitava a alijar responsabilidades próprias da Administração Central; de que a transferência corresponderia à melhoria da qualidade e da eficácia dos serviços públicos; de que as novas competências seriam enquadradas por um corpo legislativo completo e fechado, sem necessidade de ulterior regulamentação; e de que seria acompanhada de uma componente financeira “suficiente, clara e justa”, de forma a não constituir uma sobrecarga nem degradar a qualidade dos serviços.

A Câmara entendia também que a descentralização que aceitaria deveria resultar numa longa maturação assente num calendário oportuno, que tivesse em conta os ciclos normais dos mandatos autárquicos, propugnando, por conseguinte, o adiamento da transferência para o início do próximo mandato autárquico, já suportada num corpo legislativo e regulamentar completo e fechado em todas as componentes, incluindo a financeira, de modo que as listas que em 2021 se apresentassem aos eleitores estivessem já cientes do novo quadro em que deveriam orientar as respectivas propostas.

Ainda que não coincidam completamente com os fundamentos então aduzidos pelo grupo Municipal CDU para acompanhar o sentido de voto proposto, isto é, a rejeição da transferência de competências, as razões nessa oportunidade apresentadas pela Câmara são dignas de respeito e faziam sentido, desde logo à luz do pressuposto primordial em que se baseava a posição do Executivo – o de que, por princípio, qualquer processo legislativo que conduza a uma descentralização efectiva de competências para as autarquias é positivo.

Ora, o que o mesmíssimo Executivo municipal nos traz hoje para deliberação neste ponto da Ordem do Dia, é a aceitação da transferência de competências para a Área Metropolitana do Porto, em clara contradição com a fundamentação de recusa genérica, por si proposta e aqui aprovada em Setembro, embora mantenha a recusa das transferências para o Município, como discutiremos no ponto seguinte.

Debalde procuramos na proposta razões sólidas e argumentos esclarecedores para esta alteração de posição. Mas, na sua proposta, a Câmara limita-se a enunciar um conjunto de considerandos burocráticos, finalizando-o estribada numa deliberação (por unanimidade…) do Conselho Metropolitano do Porto, em 21 de Dezembro passado, aceitando a transferência de competências para o “estrato intermunicipal”.

Seria útil ao debate que a Câmara aqui explicasse em que medida tal transferência não faz incorrer a Área Metropolitana, e porventura os municípios que a integram, nos riscos que ela própria elencou em Setembro, sobretudo aqueles para os quais o PCP e a CDU tem chamado a atenção, aliás em parte acompanhados pelo Presidente da República na promulgação da Lei n.º 50/2018, a saber, designadamente:

- o de a transferência de competências ser efectivamente entendida como mero alijar de responsabilidades do Estado sem garantias firmes de dotação financeira apropriada;

- o de afastamento excessivo do Estado de áreas específicas em que seja essencial o seu papel, sobretudo olhando à escala exigida para o êxito das intervenções públicas;

- o da indefinição e insuficiência de recursos, com efeitos na capacidade de acomodar as novas competências e no rigor das finanças públicas; e 

- o de colocar não só as autarquias, mas também, como é o caso, as entidades intermunicipais, na situação de meras extensões da Administração Central.

Este processo, como temos sublinhado, nascido de um acordo apressado, sem rigor nem seriedade, entre o Governo PS e o PSD, apresentado embora como de descentralização, comporta ainda o grave risco de desmantelamento das funções essenciais do Estado, especialmente em domínios em relação aos quais a concepção e a execução de políticas públicas e os respectivo controlo e avaliação devem assegurar unidade, coerência e eficiência à escala do país, bem a coesão territorial.

Tal processo permite igualmente ao PS e ao PSD furtarem-se à necessária, urgente e possível discussão, lançamento e implementação da regionalização, limitando-se a acenar às entidades intermunicipais com a ilusão de reforço de competências, como é o caso dos diplomas em apreciação neste ponto, desconhecendo-se que meios lhe serão garantidos e sem que se garanta a tais entidades real reforço de poder.

Nestes termos, o Grupo Municipal CDU votará contra a proposta apresentada.

Disse.





Intervenção de Carla Ribeiro sobre a proposta de recusa da transferência de competências para o Município da Maia



Apesar de, na sessão extraordinária de 14 de Setembro passado, a Câmara Municipal ter proposto a esta Assembleia a recusa da transferência de competências prevista na Lei n.º 50/2018, alegando, designadamente: 

- que uma descentralização efectiva de competências carece de longa maturação de um corpo legislativo e regulamentar completo e fechado, incluindo uma componente financeira clara e justa; 

- que o calendário encetado é pouco oportuno, pois deveria remeter a concretização para o próximo mandato autárquico, de modo a permitir a preparação dos programas das listas à luz de uma nova realidade; e 

- que nenhum processo de descentralização pode limitar-se a alijar responsabilidades próprias da Administração Central, sem correspondentes meios financeiros, sob pena de degradação da qualidade e da eficácia dos serviços públicos, 

O Executivo vem hoje propor a este órgão deliberativo a recusa da transferência para o Município, no ano de 2019, das competências constantes num primeiro conjunto de diplomas já publicado (outro ou outros virão…), limitando-se a alegar a “tardia publicação” daqueles e que “não se encontram reunidas as condições para aceitação de competências” que neles constam. 

Por outras palavras: onde falta uma rejeição inequívoca das transferências – das que aqui se discutem hoje e das que virão – opta a Câmara pela ambiguidade. 

A bem da clareza e em abono da coerência das decisões, seria bom que a Câmara e, por conseguinte, esta Assembleia, mantivessem, mesmo repetindo-os, os fundamentos para a recusa há quatro meses e meio, na medida em que se mantêm válidos. 

Já agora, seria bom igualmente que o Executivo aqui esclarecesse a contradição entre a recusa em receber para o Município as competências nos domínios da justiça (DL n.º 101) e dos corpos de bombeiros (DL n.º 103) e a aceitação da transferência das mesmas para a Área Metropolitana do Porto. 






A CDU – Coligação Democrática Unitária considera que a transferência desta primeira leva de diplomas e das que estão em vias de conhecer a luz do dia deve ser recusada, não apenas em 2019, mas definitivamente, e diverge do Executivo quanto à fundamentação. 

Enquanto a Câmara argumenta agora com a inoportunidade da transferência, afastando-se da substância dos fundamentos da proposta que aqui nos trouxe há quatro meses e meio, este Grupo Municipal mantém válidas e enfatiza as razões que o PCP e a CDU têm vindo a apontar. 

Este processo não resulta de um amplo debate e muito menos de um consenso robusto sobre a reforma administrativa que, concretizando a regionalização, garanta coerência, equilíbrio e coesão territorial a uma efectiva descentralização e à atribuição de poderes e competências aos diversos níveis da administração, incluindo as regiões. 

Furtando-se à regionalização, este processo resulta de um entendimento de conjuntura entre o Governo PS e o PSD, visando uma simulação de descentralização sem garantias de meios e, ainda por cima, comprometido à partida com o subfinanciamento do Poder Local, que a Lei do Regime Financeiro das Autarquias Locais e da Entidades Intermunicipais (Lei n.º 51/2018) não resolve. 

Tal como está desenhada, a pretensa descentralização, que o Governo tenta concretizar através da Lei n.º 50/2018 e da sucessão de decretos-leis seus derivados constitui um presente envenenado cujos riscos não nos cansaremos de apontar, quanto: 

- à sustentabilidade financeira e às pouco avaliadas implicações humanas e organizacionais das autarquias locais; 

- o afastamento do Estado em domínios nos quais é essencial o seu papel, especialmente em termos da escala nacional exigível para o êxito de políticas públicas, como na Educação, Saúde, Justiça e Administração Interna; 

- a multiplicação de situações de tutela à revelia da Constituição e contribuindo para corroer a autonomia do Poder Local Democrático, pois em praticamente todos os domínios apenas são transferidas competências de mera execução, colocando as autarquias numa situação idêntica à de extensões dos órgãos do Poder Central; 

- a degradação da qualidade dos serviços às populações, com o risco acrescido de vir a justificar, mais tarde ou mais cedo, uma investida privatizadora. 



Nestes termos, embora lamente a ambiguidade da fundamentação da proposta em discussão, a CDU votará a favor da recusa da transferência de competências para o Município, reafirmando a sua firme determinação em continuar a bater-se por um Poder Local Democrático ao serviço das populações e por uma efectiva descentralização, assente num processo de regionalização que modernize a administração e reforce a solidariedade inter-regional e a coesão territorial.




Disse.

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