quarta-feira, 25 de abril de 2018

Evocação do dia 25 de Abril de 1974


Alfredo Maia intervindo em nome da CDU (Foto Serviços de CMM, adaptada)
Em representação da CDU, o deputado Alfredo Maia interveio na sessão solene comemorativa do 44.º aniversário da Revolução de 25 de Abril, realizada hoje na Assembleia Municipal da Maia, saudando os democratas e antifascistas que criaram as condições para o desencadeamento das operações militares e salientando a importância do Poder Local Democrático:  


As primeiras palavras são devidas, com o penhor da nossa gratidão colectiva, a todos os militares que, há 44 anos, fizeram amanhecer Portugal em liberdade, pondo fim a quase meio século de opressão levada a cabo por um regime iníquo, assente no mais profundo desprezo pela dignidade da pessoa humana, suportado num sinistro aparelho de repressão que vigiou, intimidou, perseguiu, prendeu, torturou e matou quantos se lhe opuseram e combateram.
Tratava-se também de um regime inspirado em concepções da vida, do bem-estar e dos mais fundamentais dos direitos fundamentais dos seus cidadãos que tiveram como consequência um país atrasado, pobre e com escassas perspectivas de futuro.
A madrugada redentora que celebramos neste acto solene sucede-se (e só foi possível graças a ele) a um longo período de esperanças, lutas e sofrimento – das iniciativas e acções legais e circunstancialmente autorizadas, designadamente por alturas das mascaradas de eleições, à mais dura luta clandestina.
Nele se empenharam inúmeros democratas e resistentes antifascistas, de entre os quais é justo destacar os comunistas, tantas vezes com o sacrifício dos seus empregos, da sua liberdade, da sua integridade física e da própria vida, arrostando os mais inimagináveis perigos e enfrentando tratamentos humilhantes e as torturas mais atrozes.
Mesmo aqueles que hoje não conseguem sequer imaginar os sacrifícios, muito para além dos limites, que tornaram possíveis avanços e graças aos quais essa madrugada de Abril pôde irromper, enfim, redentora e livre, não poderão deixar de convergir neste dever irrevogável de gratidão profunda a tantas mulheres e tantos homens que foram construindo as possibilidades para a sua concretização.

Embora não estivesse expressamente consagrado no Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), o Poder Local Democrático é uma das mais importantes e fascinantes conquistas da Revolução de Abril, traduzida, de imediato, na destituição dos governadores civis e dos presidentes das câmaras municipais que não passavam de extensões dos aparelhos administrativo-corporativo e repressivo do regime fascista, na ocupação das câmaras e juntas de freguesia e na criação das comissões administrativas, formadas por cidadãos democratas.
A essa dinâmica de construção de formas de gestão da coisa pública local, adicionou-se um vasto, exaltante e criativo movimento popular, que, através de comissões e associações de moradores e outras formas de organização popular de base e em cooperação com as comissões administrativas municipais, tomou nas suas mãos a satisfação de necessidades básicas – do abastecimento de água à habitação, de (ainda) precárias redes de esgotos à abertura de estradas e caminhos.
(Ainda hoje podemos observar, aqui, na Maia, inúmeros vestígios desse período, de que poderemos apontar como exemplo simbólico um fontenário na Travessa 25 de Abril, em Pedrouços, encimado por um listel ostentando a significativa divisa “Quando o homem quer, a obra nasce”, numa tradução tocante do esforço da comissão de moradores.)
Um ano depois, aquando da realização das eleições parta a Assembleia Constituinte, as autarquias locais democráticas ofereciam já uma importante experiência acumulada e testada em níveis que o legislador constituinte não podia ignorar, consagrando-as, na Constituição aprovada em 2 de Abril de 1976, como imprescindíveis à “organização democrática do Estado” e definindo-as – no texto que ainda vigora – como “pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas”.
Mais de 41 anos depois das primeiras eleições para as autarquias locais (12 de Dezembro de 1976), não restam dúvidas de que o Poder Local Democrático se confirmou como uma das mais importantes e enriquecedoras conquistas da Revolução e como um poderoso instrumento de transformação da paisagem física e social, da elevação dos padrões e da promoção da qualidade de vida das populações.
Apesar dos recuos, especialmente com a redução da participação das autarquias locais sempre que a lei das finanças locais mudou, mas também com o incumprimento sistemático por sucessivos governos, que nos últimos dez anos lhes retiraram mais de três mil milhões de euros, não há dúvida de que o Poder Local Democrático constitui a frente mais avançada para a resolução dos problemas das populações e a concretização das suas aspirações nos mais variados domínios.
Não se confunda, porém, esta conclusão e esta convicção profunda com a disponibilidade da Coligação Democrática Unitária para participar, ou para ser cúmplice, numa transfiguração na organização democrática do Estado que a desestruture e desresponsabilize no que tange às funções e obrigações da Administração Central – designadamente nos domínios da Educação e da Saúde – e ponha em causa a capacidade da Administração Local de cumprir as suas próprias atribuições e competências.
A alardeada “descentralização de competências” em que convergem PS e PSD, além do mais sem quaisquer garantias de correspondente transferência de meios, especialmente financeiros, aliada a tentações mais ou menos ocultas de privatização de sectores e funções do Estado, comporta demasiados riscos que não podemos negligenciar.
Ao mesmo tempo, coloca sobre os ombros das autarquias o ónus da insatisfação popular com os serviços cuja qualidade se degradou com o desinvestimento em áreas essenciais impostas por sucessivos governos, insatisfação que se agravará, sabido que é que da transferência de competências não poderá resultar aumento da despesa pública, e conhecido que é o subfinanciamento das áreas a transferir.
Por outro lado, a convergência que se identifica entre algumas personalidades dos dois maiores partidos, no sentido de uma reconfiguração profundamente antidemocrática da própria organização das autarquias e dos seus órgãos, mormente com a possibilidade de instalação de executivos monocolores, constitui outra ameaça muito séria que o PCP e a CDU denunciam com todo o vigor.
Na sua origem e essência constitucional, o Poder Local só pode ser Democrático e os órgãos das autarquias locais – Câmara Municipal, Assembleia Municipal, Junta de Freguesia e Assembleia de Freguesia – não podem deixar de reflectir a diversidade da composição das respectivas áreas de jurisdição, sob pena de renunciarem à natureza representativa que a Lei Fundamental lhes outorga.
É aliás significativo que este afã descentralizador passe ao lado da questão central que importa encarar de frente e de uma vez por todas – a da concretização da regionalização, que a Constituição consagra e que é cada vez mais indispensável às respostas às necessidades das populações e das regiões.

Disse.