Alfredo Maia intervindo em nome da CDU (Foto Serviços de CMM, adaptada) |
Em representação da CDU, o deputado Alfredo Maia interveio na sessão solene comemorativa do 44.º aniversário da Revolução de 25 de Abril, realizada hoje na Assembleia Municipal da Maia, saudando os democratas e antifascistas que criaram as condições para o desencadeamento das operações militares e salientando a importância do Poder Local Democrático:
As primeiras palavras são
devidas, com o penhor da nossa gratidão colectiva, a todos os militares que, há
44 anos, fizeram amanhecer Portugal em liberdade, pondo fim a quase meio século
de opressão levada a cabo por um regime iníquo, assente no mais profundo
desprezo pela dignidade da pessoa humana, suportado num sinistro aparelho de
repressão que vigiou, intimidou, perseguiu, prendeu, torturou e matou quantos
se lhe opuseram e combateram.
Tratava-se também de um regime
inspirado em concepções da vida, do bem-estar e dos mais fundamentais dos
direitos fundamentais dos seus cidadãos que tiveram como consequência um país
atrasado, pobre e com escassas perspectivas de futuro.
A madrugada redentora que
celebramos neste acto solene sucede-se (e só foi possível graças a ele) a um
longo período de esperanças, lutas e sofrimento – das iniciativas e acções
legais e circunstancialmente autorizadas, designadamente por alturas das
mascaradas de eleições, à mais dura luta clandestina.
Nele se empenharam inúmeros
democratas e resistentes antifascistas, de entre os quais é justo destacar os
comunistas, tantas vezes com o sacrifício dos seus empregos, da sua liberdade,
da sua integridade física e da própria vida, arrostando os mais inimagináveis
perigos e enfrentando tratamentos humilhantes e as torturas mais atrozes.
Mesmo aqueles que hoje não
conseguem sequer imaginar os sacrifícios, muito para além dos limites, que
tornaram possíveis avanços e graças aos quais essa madrugada de Abril pôde
irromper, enfim, redentora e livre, não poderão deixar de convergir neste dever
irrevogável de gratidão profunda a tantas mulheres e tantos homens que foram
construindo as possibilidades para a sua concretização.
Embora não estivesse
expressamente consagrado no Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), o
Poder Local Democrático é uma das mais importantes e fascinantes conquistas da
Revolução de Abril, traduzida, de imediato, na destituição dos governadores
civis e dos presidentes das câmaras municipais que não passavam de extensões
dos aparelhos administrativo-corporativo e repressivo do regime fascista, na
ocupação das câmaras e juntas de freguesia e na criação das comissões
administrativas, formadas por cidadãos democratas.
A essa dinâmica de construção de
formas de gestão da coisa pública local, adicionou-se um vasto, exaltante e
criativo movimento popular, que, através de comissões e associações de
moradores e outras formas de organização popular de base e em cooperação com as
comissões administrativas municipais, tomou nas suas mãos a satisfação de
necessidades básicas – do abastecimento de água à habitação, de (ainda)
precárias redes de esgotos à abertura de estradas e caminhos.
(Ainda hoje podemos observar,
aqui, na Maia, inúmeros vestígios desse período, de que poderemos apontar como
exemplo simbólico um fontenário na Travessa 25 de Abril, em Pedrouços, encimado
por um listel ostentando a significativa divisa “Quando o homem quer, a obra
nasce”, numa tradução tocante do esforço da comissão de moradores.)
Um ano depois, aquando da
realização das eleições parta a Assembleia Constituinte, as autarquias locais
democráticas ofereciam já uma importante experiência acumulada e testada em
níveis que o legislador constituinte não podia ignorar, consagrando-as, na
Constituição aprovada em 2 de Abril de 1976, como imprescindíveis à
“organização democrática do Estado” e definindo-as – no texto que ainda vigora
– como “pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que
visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas”.
Mais de 41 anos depois das
primeiras eleições para as autarquias locais (12 de Dezembro de 1976), não
restam dúvidas de que o Poder Local Democrático se confirmou como uma das mais
importantes e enriquecedoras conquistas da Revolução e como um poderoso
instrumento de transformação da paisagem física e social, da elevação dos
padrões e da promoção da qualidade de vida das populações.
Apesar dos recuos, especialmente
com a redução da participação das autarquias locais sempre que a lei das
finanças locais mudou, mas também com o incumprimento sistemático por
sucessivos governos, que nos últimos dez anos lhes retiraram mais de três mil
milhões de euros, não há dúvida de que o Poder Local Democrático constitui a
frente mais avançada para a resolução dos problemas das populações e a
concretização das suas aspirações nos mais variados domínios.
Não se confunda, porém, esta
conclusão e esta convicção profunda com a disponibilidade da Coligação
Democrática Unitária para participar, ou para ser cúmplice, numa transfiguração
na organização democrática do Estado que a desestruture e desresponsabilize no
que tange às funções e obrigações da Administração Central – designadamente nos
domínios da Educação e da Saúde – e ponha em causa a capacidade da
Administração Local de cumprir as suas próprias atribuições e competências.
A alardeada “descentralização de
competências” em que convergem PS e PSD, além do mais sem quaisquer garantias
de correspondente transferência de meios, especialmente financeiros, aliada a
tentações mais ou menos ocultas de privatização de sectores e funções do
Estado, comporta demasiados riscos que não podemos negligenciar.
Ao mesmo tempo, coloca sobre os
ombros das autarquias o ónus da insatisfação popular com os serviços cuja
qualidade se degradou com o desinvestimento em áreas essenciais impostas por
sucessivos governos, insatisfação que se agravará, sabido que é que da
transferência de competências não poderá resultar aumento da despesa pública, e
conhecido que é o subfinanciamento das áreas a transferir.
Por outro lado, a convergência
que se identifica entre algumas personalidades dos dois maiores partidos, no
sentido de uma reconfiguração profundamente antidemocrática da própria
organização das autarquias e dos seus órgãos, mormente com a possibilidade de
instalação de executivos monocolores, constitui outra ameaça muito séria que o
PCP e a CDU denunciam com todo o vigor.
Na sua origem e essência
constitucional, o Poder Local só pode ser Democrático e os órgãos das
autarquias locais – Câmara Municipal, Assembleia Municipal, Junta de Freguesia
e Assembleia de Freguesia – não podem deixar de reflectir a diversidade da
composição das respectivas áreas de jurisdição, sob pena de renunciarem à
natureza representativa que a Lei Fundamental lhes outorga.
É aliás significativo que este
afã descentralizador passe ao lado da questão central que importa encarar de
frente e de uma vez por todas – a da concretização da regionalização, que a
Constituição consagra e que é cada vez mais indispensável às respostas às
necessidades das populações e das regiões.
Disse.